A construção de uma microbiota saudável e resiliente nos leitões de creche, fase mais desafiadora na produção de suínos, começa muito antes do desmame. Se você foi remetido à maternidade e a imagem de uma leitegada mamando lhe veio à mente, você pode estar começando essa “construção” pelas paredes. Ou seja, ignorando a fundação dessa obra que começa na fêmea suína.
Até muito pouco tempo atrás, acreditava-se que o leitão nascia praticamente estérile era colonizado (ou contaminado) no canal do parto, pela microbiota vaginal; na mamada do colostro, pela microbiota da pele do úbere e do leite; e em contato com o ambiente, com carga microbiológica composta por um misto entre herança da última leitegada (a depender da limpeza e desinfecção realizada nas instalações) e das fezes, urina e outros fluidos corporais da matriz.
Recentemente, trabalhos científicos publicados a partir de 2020, evidenciaram que o leitão nasce com uma microbiota intestinal considerável, provavelmente oriunda do contato com o líquido amniótico e membranas fetais, e herdada por transmissão transplacentária ainda no desenvolvimento fetal (Figura 1). Logo, a saúde intestinal da fêmea durante a gestação impacta diretamente a formação da microbiota do leitão neonato e continua influenciando essa microbiota até o desmame. Entender os principais fatores que afetam a saúde intestinal da fêmea suína nos abre um leque de possibilidades de modulação dessa microbiota, avaliando ferramentas já estabelecidas e novas soluções que estão sendo desenvolvidas.

O primeiro fator influenciador da microbiota intestinal na fêmea suína é a genética. Isso ocorre não só pela carga microbiológica transferida da granja originária para a granja destinatária através da movimentação de animais, mas pela suscetibilidade que aquela raça/linhagem (ou cruzamento) apresenta a determinados patógenos e que define a sua microbiota de forma basal. Visualize agora o desafio sanitário de granjas que tem mais de uma genética compondo o seu plantel no mesmo ambiente. Leitões filhos de fêmeas geneticamente distintas sendo misturados (muitas vezes na maternidade ainda) que tem uma microbiota herdada e imunidade passiva específicas, convivendo com a microbiota e imunidade passiva de outra genética. Some a isto, situações em que mais de uma genética de macho distintas são usadas (sintético x Duroc, por exemplo) no mesmo plantel. Por isso, a primeira ferramenta que podemos utilizar para modular a microbiota do plantel é a definição de uma genética única de macho e fêmea com multiplicação interna (quando possível) e testes de machos terminadores (quando realizados) em bandas alternadas para evitar a diversidade genética dos leitões na creche (Figura 2).

O segundo fator é mais dinâmico e modulável e abrange toda a nutrição da fêmea suína. Desde qualidade e diversidade dos ingredientes (qualidade e disponibilidade de água, a utilização ou não de fibras, presença de micotoxinas), passando pelos aditivos funcionais (probióticos, prebióticos, simbióticos, acidificantes, óleos essenciais, emulsificantes, enzimas, entre outros), até os sistemas de arraçoamento (um ou dois tratos diários, estações de alimentação automática, alojamento individuais ou em baia coletiva). Além disso, o estágio fisiológico em que a fêmea se encontra (vazia, gestante ou lactante) determina grandes mudanças metabólicas e hormonais que influenciam a microbiota. Todos os aspectos relacionados à nutrição e à fase em que a fêmea se encontra contribuem para a composição de sua microbiota.
Por último, mas não menos importante, o terceiro fator mais impactante na microbiota da fêmea suína é o manejo sanitário do plantel reprodutivo. Um programa robusto que combine várias estratégias para promoção e manutenção da saúde das fêmeas começa pela investigação dos principais desafios sanitários do plantel, como presença e/ou suscetibilidade a alguns patógenos (micoplasma, ileíte e App, por exemplo) e doenças (cistite, úlcera gástrica e corrimentos, por exemplo). Após esse levantamento, delinear um programa de aclimatação de leitoas (mesmo que seja de reposição interna), um cronograma de vacinação massal ou estratégica do plantel reprodutivo (principalmente para diminuir a circulação de agentes de doenças endêmicas, como micoplasma e circovírus, e evitar os choques medicamentosos preventivos via ração) e utilização de ferramentas como aditivos funcionais (acidificantes) para prevenção e controle de cistites e corrimentos e promoção de saúde intestinal, especificamente.
Longe de abordarmos completamente e profundamente todos os fatores impactantes na microbiota intestinal das fêmeas suínas, resumimos a mensagem deste artigo em: a saúde e resiliência da microbiota do leitão na creche começa no manejo adequado da saúde integral da fêmea suína. Algumas ferramentas nas áreas de genética, nutrição, manejo e sanidade já estão disponíveis e bem estabelecidas e devem ser aplicadas estrategicamente para a promoção da saúde integral do plantel reprodutivo
Flávia Cristina Silva
Médica Veterinária (UFU) e MBA Gestão Empresarial (FGV),
Coordenadora Técnica Nacional – Suinocultura, Sanex
Fonte: Feed & Food

